terça-feira, 6 de março de 2012

Interlúdio

Eu tinha jurado pra mim mesmo que jamais voltaria a esses textos deprês, algo que fiz bastante durante o tempo de faculdade e que nunca me agradou de fato. Mas, num teve jeito, na hora que eu começo a apertar as teclas do micro é esse o rumo que as palavras acabam tomando. Argh.


Quatro horas olhando para a parede branca à minha frente. Não consigo prestar atenção por muito tempo, senão já teria contado todas as rachaduras. Mas vi uma manchinha no formato do Snoopy; engraçado. O sofá desconfortável já tem minha temperatura e meu formato.

Quatro horas como parte do cenário. Doentes e funcionários vão e voltam. Uma senhora empurrada numa maca já passou duas vezes na ida – apressadamente –, e duas na volta – com muito cuidado. Uma criança pouco doente me encarou por muito tempo; sua mãe não achou que isso poderia incomodar outra pessoa e só a tirou de lá quando ouviu um nome gritado num consultório.

Quatro horas em que penso no médico que veio me dar a notícia. O pouco de emoção na voz dele me pareceu fingida, ele deve fazer isso todos os dias. Sentia ás vezes a raiva deixando meu rosto vermelho. Podia imaginar a cara dele, impassível, registrando a hora da morte. Hora da morte. Eles devem se sentir importantes fazendo isso, a hora da morte.

Quatro horas que sinto o olhar de um grupinho de enfermeiras me olhando com pena. E uma delas me olha com um desejo mal disfarçado. Com certeza ela virá aqui saber se estou bem. Provavelmente vai dizer que eu deveria tomar um café, ou um chá. E vai se oferecer para me acompanhar até a cafeteria; espero que não. Não ficarei surpreso se sair do hospital com seu telefone no bolso.

Quatro horas sozinho. Não há mais quem possa segurar minha mão com o afeto de outrora. Não há quem levar para casa depois das assinaturas e dos carimbos. Não há mais com quem dividir despesas. Não há compromissos de outros que me farão desviar de meu caminho. Não há favores a oferecer; não há quem os ofereça.

Quatro horas que não recuperarei. Nunca. O olhar muda de repente e o ambiente percebe a alteração. As pernas reclamam do sangue sem movimentação e o couro do sofá estala com o movimento para cima.

Quatro horas atrás o fim. E quatro horas depois o recomeço.

3 comentários:

  1. Cara, eu entendo como é esse negócio de textos deprês. Comigo é a mesma coisa, começo a escrever e quando vê já era, tá saindo algo meio depressivo...



    Abraço.

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    1. O que é engraçado, pq isso não reflete a minha realidade, pelo menos.

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  2. Às vezes até reflete a minha, mas na maioria das vezes não. O que acho engraçado também é que não consigo ser engraçado nos textos! Apesar de ter algumas boas tiradas na "vida real". :D

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